segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Fugaz


Era uma vez um rapaz que curtia aparecer, e uma garota que vivia escondida. Ele era assim, meio Flea, enquanto ela assado, um tanto Marisa, às vezes Mamonas - juntos, eram Molejo. Um dia o acaso - de caso pensado - os apresentou. O palco do romance era um ônibus azul, conforto pra ela, sacrifício pra ele, e vice-versa, dependendo do dia. Ele não foi o centro das atenções dela, e isso instigou. Já ela, "sei lá", ela tinha vergonha de pensar, olhar nos olhos. Sabe essas bobagens? Medo de coisa boa. Pra falar a verdade, os dois meio que se amavam, desde aquele primeiro contato estranho e embaraçoso (pra ela). Ele sem cueca - e de guitarra -, ela com vergonha - e curiosa.

Ele era Valente, ela se achava durona. Conversavam sobre nada, e acabaram se conhecendo demais. Mas nunca é demais. Ela ria de tudo, e ele dela. Ele fazia a comida, ela derrubava os pratos no chão. Era um relacionamento torto, meio desengonçado, nada muito próximo de Eduardo e Mônica, mas também longe de Romeu e Julieta. Pra ela, ele era apaixonado demais por tudo, tipo 'doente'. Cinéfilo, sabia dançar e falava demais, via filmes demais, agia demais - ele era demais! Pra ele, ela era meio boba, falava de menos, pensava demais, mas fazia boa massagem, boas piadas e tinha paciência pra ouvir, era pra casar - se pudesse, tinha casado. Ele era pega-pega, e ela esconde-esconde.

Ele era o caipira, e ela o bicho-do-mato. Viviam em um mundo particular, o único que existia quando estavam juntos - a vida inteira em um apartamento. Foi um dia de chuva no ponto de ônibus, um carnaval inteiro, fugas na madrugada, mil serenatas na janela. Qualquer acorde fazia o coração dela bater mais forte, e era só a luz se acender naquela janela, do outro lado da rua, que ele ficava a postos. Tudo rápido, na velocidade da luz. Assim veio a parte boa, e também a separação. "Mas isso a gente supera. Daqui eu pouco eu tô de volta", e era ela que ficaria para se despedir. Não era guerra, mas a dor da partida é imensurável.

"Daqui a pouco eu tô de volta" foi o que ele disse quando voltou, pra ficar só mais um pouquinho, por conta do velho amigo dos dois: o acaso. 20 horas, dois charutos, muita graça, muito hormônio. Realmente, há males que vem para o bem! E para o bem, lá se foi ele mais uma vez. Mas voltaria logo para vê-la, mandava notícias de uma terra estranha. E ela? Ah, ela esperava, crente no retorno, dessa vez era destino ele voltar, e não acaso. Mas não foi assim. Mil mensagens, mil "alôs", "tchaus", "beijos" e até mesmo um ou dois "eu te amo" - esses últimos tímidos, mas verdadeiros. O tempo passava como havia de passar. Ele só pensava nela, ela não fazia coisa outra. Ela olhava pela janela, esperançosa.

O velho amigo agiu, mas dessa vez, com sensatez - foi o que disseram pra ela. Não era pra ser assim, mas assim que teve de ser. Ele não olha mais fotos pra lembrar - tem uma vista privilegiada. E ela continua a fitar a  janela, e uma vez ou outra ensaia olhar pro céu - ainda tímida, com aquele mesmo medo de encarar. Às vezes, ela é pega de surpresa ao ouvir alguns acordes, mas é pura imaginação. Hoje ela ainda é meio boba, continua falando de menos, faz menos massagem, mas vê mais filmes e continua sendo pra casar - mas agora tem que ser com outro. Não se sente mais tão compreendida, e um pouco solitária -  mas é feliz, se sente privilegiada. Confia no acaso - esse nunca falhou - e sabe que tão logo eles se encontram. Como tudo mais, o que for ruim vai ser fugaz - e o que é bom fica. Sempre fica..

"Isso dava um filme..."

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