segunda-feira, 20 de junho de 2011

O homem da capa




O jornalista é um homem que errou de profissão
Bismarck


Não mede esforços de segunda a sexta-feira. Pronto para ação, final de semana é sinônimo de trabalho. Alguém em perigo? Estará lá pronto para... Anotar! A capa virou jeans e sobreposição de camisetas, e o distintivo um gravador. Com a vontade de ajudar os pobres e oprimidos, trazer a verdade à tona e livrar a Terra do incrível mal das injustiças. Queria ser herói – apenas –, errou no guichê de informações e acabou jornalista. Pior. Virou vilão.

Ninguém de livre e espontânea vontade levanta de manhã e decide ser jornalista. Não ter hora para trabalhar, cumprir plantões, ficar longe da família, quebrar a cabeça transformando assuntos técnicos em literatura infantil e ter um salário no melhor estilo trabalho voluntário. E o pior? Gostar! Gostar de ser xingado pela fonte, pelo editor, pelo revisor e pelos leitores. Ser a verdadeira antítese de Deus, afinal, a imprensa perde até para o demônio em pesquisa popular.

Deve constar algum tipo de erro nos manuais de teste vocacional. O certo seria mandar todo jovem com ímpetos de salvar o mundo através de suas palavras, fazer mais uns três anos de ensino médio. Isso, até decidir ser médico, engenheiro, advogado... Ou qualquer outra profissão bem aceita na sociedade – e na família: “Vai ser jornalista? Pra que? O que jornalista faz mesmo?”. Impossível pegar o diploma antes de ouvir uma dessas perguntas. Opa, eu disse diploma? Nem disso mais o jornalista pode ser gabar.

Definitivamente não é uma profissão para se querer, é preciso ser querido. Em todos os sentidos. Dá-lhe indicações, carisma e muita força de vontade. Daquelas que parecem ser vindas de outro mundo. Não é a toa que o alterego do Super-Homem era um jornalista. Não tem profissão mais apropriada para alguém de outro planeta. Quem mais teria como melhor amigo uma máquina de café? Erros de português são sua criptonita. E definitivamente precisa usar uma força descomunal para enfrentar o maior dos vilões, o terrível Fechamento.

Precisa sempre de um novo episódio para colocar seus poderes em ação. Uma batalha por dia é pouco e não se cansa. Lança mão de seu cinto de utilidades – e personalidades – e vai da comunicação corporativa até revistas de educação escolar, cobre lançamentos de novela e eleições políticas. No fim do dia, em vez da aclamação popular e o discurso ao lado do prefeito, volta para seu esconderijo nada secreto de olho na próxima missão.

Com seus superpoderes de invisibilidade, é capaz de se camuflar atrás das manchetes dos jornais. Tem que ser elástico e ter jogo de cintura para driblar um editor furioso e as contas que sobram no final do mês. Para pautas impossíveis? A capacidade de estar em dois eventos ao mesmo tempo e escrever em tempo recorde. Não tem teias poderosas, mas é capaz de enrolar assessores e fontes importantes. E para descobrir novidades? Nada como a arte da telepatia!

Alcunhas de fofoqueiro, bicão e intrometido são rotina. Poucos reconhecem, mas combater o mundo das notícias dá fome, e quem não adora jantar no coquetel do evento que está cobrindo? Jornalismo é mendigar, ser simpático com quem não se gosta, esconder a tietagem e fazer um grande uso da malandragem. Dá quase pra chamar de psicopata, mas é tudo necessidade da profissão. Se pudesse, denunciaria toda a corrupção, o trabalho infantil, a fome e salvaria a fauna e a flora.

Mas como não pode, segue sujando os sapatos na poça d’água em frente a redação. Porque são poucos os que realmente saem à rua. O furo de capa incrível com que sempre sonhou, ficou grudado no travesseiro. Não dá pra fazer grandes investigações pelo telefone e ninguém conta segredos por e-mail. O dedo foi podre para escolher? Mas é ótimo pra escrever. Jornalista pode ter errado na escolha, mas não admite. Afinal, a fonte era de confiança.

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